A Dinamarca foi uma das primeiras democracias parlamentaristas a garantir a participação das mulheres na política. Em 5 de junho de 1915, uma emenda à Constituição do país permitiu que as mulheres votassem e se candidatassem a cargos políticos. Agora, no centenário da emancipação, o governo dinamarquês prepara uma grande festa, e há razões para celebrar, pois no ranking global de igualdade de gênero, do Banco Mundial, o país figura em quinto lugar, sendo reconhecido pelos avanços no setor.
No Parlamento, 40% das cadeiras são ocupadas por mulheres, participação considerada alta, quando comparada à de outros países europeus. No Executivo, seis dos 19 ministérios (30%) são comandados por elas e, em 2011, foi eleita no país a primeira chefe de governo, Helle Thorning Schimdt, do Partido Social Democrata.
Para a pesquisadora da Universidade de Aarhus e especialista na questão de gênero, Christina Fiig, a Dinamarca "tem tradição no debate sobre igualdade de gênero, e o resultado disso é um legado histórico que se reflete na participação feminina no Parlamento e na gradual integração da mulher na esfera pública, no mercado de trabalho e em várias áreas da sociedade". As mulheres nórdicas, segundo ela, têm autonomia sobre si mesmas, e este é um aspecto importante que também significa igualdade de gênero.
Ela observa, porém, que grandes desafios ainda precisam ser enfrentados para que se possa falar em plena igualdade de gênero na Dinamarca. "Em muitas áreas – na indústria, na mídia, nas universidades, na área de defesa, na administração pública – poucas mulheres conseguem alcançar posições de comando. As mulheres não estão tomando parte nos fóruns em que as decisões são tomadas. Elas não são devidamente incluídas nas hierarquias da sociedade, e isso – é claro – tem consequências para a democracia", diz Christina.
A pesquisadora ressalta, ainda, que a significativa participação feminina no Parlamento não se reproduz na política local. Nos municípios, apenas 12 das 98 prefeituras são chefiadas por mulheres. No Legislativo, as vereadoras representam 30% do total de cargos eletivos, mas poucas ocupam posição de destaque nos governo locais.
A vereadora Camilla Fabricius entrou na política aos 20 anos. Ela conta que, em seus 23 anos de carreira política, ocupando diferentes cargos, sempre enfrentou preconceito por ser mulher. "Eu tenho que ser melhor, mais gentil, ter boa aparência, mas na medida certa para que não digam que venci por ter um rosto bonito. Todos os dias tenho que trabalhar para que as pessoas me ouçam pelo que tenho a dizer, e não pela minha aparência", afirma.
Camilla, que desde criança sempre teve interesse pela política, explica que o trabalho de vereador não é remunerado na Dinamarca e, em geral, quem exerce a função tem que conciliar as atividades com a carreira profissional e as demandas da família. Ela não acredita, porém, que este seja o motivo que tem afastado as mulheres da carreira política nos municípios. "A desigualdade começa dentro dos partidos, que não têm interesse em lançar mulheres como candidatas", observa. Na Dinamarca, não há cotas obrigatórias para a participação feminina em nenhum setor da sociedade.
A pesquisadora Christina Fiig tem dúvidas sobre a eficácia do sistema de cotas e acha que a Dinamarca tem boa legislação na área de igualdade de gênero. "O problema é que nem sempre ela é colocada em prática", diz. Ela cita, ainda, que os altos índices de discriminação e de violência contra a mulher, ainda registrados na sociedade, são um indicativo de que as injustiças relacionadas à questão de gênero persistem, muitas vezes camufladas por estatísticas positivas.
No site promocional da festa de comemoração do centenário, o governo dinamarquês destaca que o marco ajuda a lembrar que é preciso continuar a reforçar e desenvolver o sistema democrático. Diz, por exemplo, que "o debate sobre a igualdade de gênero, que historicamente começou como uma luta pelos direitos básicos da mulher, hoje é baseado na busca por oportunidades iguais para homens e mulheres, de influenciar suas próprias vidas e participar da sociedade".
No centenário da emancipação, mais do que celebrar o legado de uma história de conquistas, as mulheres dinamarquesas querem mesmo é reacender o debate na busca por uma sociedade verdadeiramente igual.
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