domingo, 29 de março de 2015

Crise institucional // Denis Lerrer Rosenfield‏

O PT se vê cada vez mais distante da sociedade e políticos não quererão como aliada uma presidente que aparece como fraca

O país pode estar rumando para uma crise institucional. A velocidade dos acontecimentos políticos tem sido surpreendente. O governo dá mostras visíveis de perda de controle, sem que se saiba ao certo quem manda no país. Em linguagem hobbesiana: quem decide em última instância?
Até um ministro, o da Educação, chega a ser demitido por um anúncio do presidente da Câmara dos Deputados, como se não coubesse à presidente da República essa decisão. O próprio ministro, em um tipo de jogada ensaiada, opta, com estardalhaço público, sair do governo como se esse fosse um barco naufragando.
Estamos diante de uma situação completamente nova. O panelaço nem uma tradição nacional é. Importamos da Argentina. Tem, contudo, um profundo significado: as pessoas não mais querem escutar a presidente ou os seus mensageiros, no caso ministros. Não importa o que tenham a dizer. Não mais gozam de confiança e, neste sentido, nem mais merecem ser escutados. Medidas paliativas como a reforma política ou o projeto contra a corrupção nem dignos de atenção são. O mesmo já foi dito em 2013.
As manifestações do dia 15 de março foram um marco nacional. Reuniram em torno de dois milhões de pessoas! A população nacional disse nitidamente “Fora Dilma” e “Fora PT”. O partido e os seus movimentos sociais perderam completamente a rua. Já tinham sido enxotados em 2013.
Mesmo assim, jogaram uma carta temerária, a de organizarem uma manifestação própria dois dias antes, na sexta-feira. Ainda vivem na ilusão de acreditarem em sua capacidade de mobilização. Ledo engano. Reuniram no máximo 150 mil pessoas e, ainda assim, com várias dentre elas pagas. O fracasso foi total. O contraste é gritante!
As manifestações de 2013 foram a expressão genérica e abstrata de uma revolta contra tudo o que está aí, concentrando-se, enquanto estopim, na questão da mobilidade urbana e no preço das passagens de ônibus. Agora, pelo contrário, há uma proposta positiva que aglutina: é exigida a saída de Dilma do governo, assim como do PT.
O isolamento da presidente é manifesto. Mais do que isto, ele revela que ela está perdendo progressivamente as condições de exercício do poder. O PT se vê, por sua vez, cada vez mais distante da sociedade, e os políticos não quererão como aliada uma presidente que aparece como fraca.
O Congresso, ele também, tenderá ainda mais a não seguir as orientações governamentais, devolvendo medidas provisórias, “negociando” projetos de lei e tornando a vida da presidente ainda mais difícil. O ajuste fiscal pode ser, nesta perspectiva, prejudicado. A lógica política primaria sobre todo o resto.
Aqui, no entanto, pode surgir um elemento que sinalize republicanamente para o país impedir sua queda na anomia, podendo se tornar um pária das finanças internacionais. O PMDB está acenando com apoio às medidas de ajuste fiscal, no que deveria ser seguido por outros partidos, seja os de oposição, seja o próprio PT. O que está em jogo é o país, enquanto bem coletivo, situado acima dos bens partidários particulares.
O PSDB hesita em seguir nesta direção, embora reconheça a importância de uma completa reformulação das condições econômicas. Coloca-se em uma posição de recolher os dividendos políticos do que considera, com razão, como um estelionato eleitoral. A presidente e o PT disseram uma coisa antes da eleição, acusando o seu adversário de pretender fazer tudo aquilo que estão, agora, efetivamente fazendo. A mentira foi o instrumento político da vitória, a descoberta da verdade a expressão de profunda crise governamental.
A presidente da República não sabe o que fazer. Medidas políticas são requentadas como se as ruas pudessem ser assim atendidas. Inimigos imaginários são culpados pela crise atual, como se fossem o mercado externo e a seca os responsáveis dos erros governamentais. A realidade cobra o seu preço. Os erros nem são reconhecidos, de modo que toda interlocução com a sociedade fica obstaculizada. Um país cristão poderia se reconhecer em quem erra, se arrepende e pede perdão. Certamente não se reconhecerá na arrogância.
O PT é uma nave sem rumo. Não defende as medidas de ajuste econômico por as considerarem como “neoliberal”, como se fosse “neoliberal” o bom senso na administração das contas públicas. Imaginem se um(a) chefe de família pudesse gastar indiscriminadamente sem atentar para o orçamento doméstico! Teria de cortar gastos se quisesse sobreviver. Seria, por isto, “neoliberal”?
O partido, porém, está radicalizando. O campo e a cidade já se encontram em tensão. A ofensiva do MST e de seu braço urbano, os sem-teto, está claramente delineada. Diga-se, a seu favor, que acreditaram no discurso eleitoral. São eles, porém, os bolivarianos do Brasil, pretendendo implantar o “socialismo do século XXI”. Embora não contem com o apoio da população, não deixam de fazer um jogo extremamente perigoso.
Invasões e depredações no campo, ocupações de rodovias e ruas das principais cidades já estão se tornando “normais”, em uma “anormalidade” que pode vir a ameaçar as instituições. Os que os estão apoiando e insuflando jogam gasolina no fogo. Não reclamem depois das consequências.
Não havendo uma recuperação da economia, uma recomposição governamental de sua base parlamentar, um afastamento da imagem da presidente do esquema do petrolão e um arrefecimento de ânimos dos movimentos sociais, poderemos viver uma crise institucional. Uma crise institucional significa a falência da capacidade de a presidente da República governar o país, havendo paralisia decisória e comprometimento do funcionamento de nossas instituições democráticas.
Sem condições, a presidente Dilma, nesse cenário, poderá cair. A sua continuidade no cargo, em determinado momento, poderá vir a ser interpretada por congressistas e população em geral como uma “ameaça existencial” à vida republicana. Trata-se de um cenário extremo, porém não descartável, devido à rapidez com que o cenário está se deteriorando no país.
Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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