O PT se vê cada vez mais distante da sociedade e políticos não quererão como aliada uma presidente que aparece como fraca
O
país pode estar rumando para uma crise institucional. A velocidade dos
acontecimentos políticos tem sido surpreendente. O governo dá mostras
visíveis de perda de controle, sem que se saiba ao certo quem manda no
país. Em linguagem hobbesiana: quem decide em última instância?
Até
um ministro, o da Educação, chega a ser demitido por um anúncio do
presidente da Câmara dos Deputados, como se não coubesse à presidente da
República essa decisão. O próprio ministro, em um tipo de jogada
ensaiada, opta, com estardalhaço público, sair do governo como se esse
fosse um barco naufragando.
Estamos
diante de uma situação completamente nova. O panelaço nem uma tradição
nacional é. Importamos da Argentina. Tem, contudo, um profundo
significado: as pessoas não mais querem escutar a presidente ou os seus
mensageiros, no caso ministros. Não importa o que tenham a dizer. Não
mais gozam de confiança e, neste sentido, nem mais merecem ser
escutados. Medidas paliativas como a reforma política ou o projeto
contra a corrupção nem dignos de atenção são. O mesmo já foi dito em
2013.
As
manifestações do dia 15 de março foram um marco nacional. Reuniram em
torno de dois milhões de pessoas! A população nacional disse nitidamente “Fora Dilma” e “Fora PT”. O partido e os seus movimentos sociais perderam completamente a rua. Já tinham sido enxotados em 2013.
Mesmo
assim, jogaram uma carta temerária, a de organizarem uma manifestação
própria dois dias antes, na sexta-feira. Ainda vivem na ilusão de
acreditarem em sua capacidade de mobilização. Ledo engano. Reuniram no
máximo 150 mil pessoas e, ainda assim, com várias dentre elas pagas. O
fracasso foi total. O contraste é gritante!
As
manifestações de 2013 foram a expressão genérica e abstrata de uma
revolta contra tudo o que está aí, concentrando-se, enquanto estopim, na
questão da mobilidade urbana e no preço das passagens de ônibus. Agora,
pelo contrário, há uma proposta positiva que aglutina: é exigida a
saída de Dilma do governo, assim como do PT.
O
isolamento da presidente é manifesto. Mais do que isto, ele revela que
ela está perdendo progressivamente as condições de exercício do poder. O
PT se vê, por sua vez, cada vez mais distante da sociedade, e os
políticos não quererão como aliada uma presidente que aparece como
fraca.
O
Congresso, ele também, tenderá ainda mais a não seguir as orientações
governamentais, devolvendo medidas provisórias, “negociando” projetos de
lei e tornando a vida da presidente ainda mais difícil. O ajuste fiscal
pode ser, nesta perspectiva, prejudicado. A lógica política primaria
sobre todo o resto.
Aqui,
no entanto, pode surgir um elemento que sinalize republicanamente para o
país impedir sua queda na anomia, podendo se tornar um pária das
finanças internacionais. O PMDB está acenando com apoio às medidas de
ajuste fiscal, no que deveria ser seguido por outros partidos, seja os
de oposição, seja o próprio PT. O que está em jogo é o país, enquanto
bem coletivo, situado acima dos bens partidários particulares.
O
PSDB hesita em seguir nesta direção, embora reconheça a importância de
uma completa reformulação das condições econômicas. Coloca-se em uma
posição de recolher os dividendos políticos do que considera, com razão,
como um estelionato eleitoral. A presidente e o PT disseram uma coisa
antes da eleição, acusando o seu adversário de pretender fazer tudo
aquilo que estão, agora, efetivamente fazendo. A mentira foi o
instrumento político da vitória, a descoberta da verdade a expressão de
profunda crise governamental.
A
presidente da República não sabe o que fazer. Medidas políticas são
requentadas como se as ruas pudessem ser assim atendidas. Inimigos
imaginários são culpados pela crise atual, como se fossem o mercado
externo e a seca os responsáveis dos erros governamentais. A realidade
cobra o seu preço. Os erros nem são reconhecidos, de modo que toda
interlocução com a sociedade fica obstaculizada. Um país cristão poderia
se reconhecer em quem erra, se arrepende e pede perdão. Certamente não
se reconhecerá na arrogância.
O
PT é uma nave sem rumo. Não defende as medidas de ajuste econômico por
as considerarem como “neoliberal”, como se fosse “neoliberal” o bom
senso na administração das contas públicas. Imaginem se um(a) chefe de
família pudesse gastar indiscriminadamente sem atentar para o orçamento
doméstico! Teria de cortar gastos se quisesse sobreviver. Seria, por
isto, “neoliberal”?
O
partido, porém, está radicalizando. O campo e a cidade já se encontram
em tensão. A ofensiva do MST e de seu braço urbano, os sem-teto, está
claramente delineada. Diga-se, a seu favor, que acreditaram no discurso
eleitoral. São eles, porém, os bolivarianos do Brasil, pretendendo
implantar o “socialismo do século XXI”. Embora não contem com o apoio da
população, não deixam de fazer um jogo extremamente perigoso.
Invasões
e depredações no campo, ocupações de rodovias e ruas das principais
cidades já estão se tornando “normais”, em uma “anormalidade” que pode
vir a ameaçar as instituições. Os que os estão apoiando e insuflando
jogam gasolina no fogo. Não reclamem depois das consequências.
Não
havendo uma recuperação da economia, uma recomposição governamental de
sua base parlamentar, um afastamento da imagem da presidente do esquema
do petrolão e um arrefecimento de ânimos dos movimentos sociais,
poderemos viver uma crise institucional. Uma crise institucional
significa a falência da capacidade de a presidente da República governar
o país, havendo paralisia decisória e comprometimento do funcionamento
de nossas instituições democráticas.
Sem
condições, a presidente Dilma, nesse cenário, poderá cair. A sua
continuidade no cargo, em determinado momento, poderá vir a ser
interpretada por congressistas e população em geral como uma “ameaça
existencial” à vida republicana. Trata-se de um cenário extremo, porém
não descartável, devido à rapidez com que o cenário está se deteriorando
no país.
Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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