O maior e mais abrangente relatório sobre mudanças climáticas, divulgado em 2014 pelas Nações Unidas, mostrou que a humanidade vivencia a última chance de reverter o processo de aquecimento global. A síntese do quinto relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês), elaborada com a participação de 800 cientistas de 80 países, e divulgada em novembro em Copenhague, na Dinamarca, indicou que, se não houver redução imediata na emissão de gases de efeito estufa, os meios de adaptação não serão suficientes, e a vida no planeta ficará ameaçada. “As mudanças climáticas não deixarão nenhuma parte do globo intacta”, disse na ocasião o presidente do IPCC, Rajendra Pachauri.
O relatório mostrou que a emissão de gases de efeito estufa atingiu níveis sem precedentes nos últimos 800 anos, gerando o aquecimento da terra, o derretimento das geleiras e o consequente aumento do nível do mar. O aquecimento médio global combinado da Terra e dos oceanos no período de 1880 a 2012 chegou a 0,85 °C. O nível do mar aumentou 19 centímetros de 1991 a 2010, número maior do que os registrados nos últimos dois milênios. O relatório alertou também para a acidificação dos oceanos em 26% por causa da apreensão de gás carbônico da atmosfera, o que pode ter impacto grave sobre os ecossistemas marítimos.
Caso não haja redução das mudanças climáticas, os cientistas preveem impactos severos e irreversíveis para a humanidade e para os ecossistemas. “Meios de vida serão interrompidos por tempestades, por inundações decorrentes do aumento do nível do mar e por períodos de seca e extremo calor. Eventos climáticos extremos podem levar à desagregação das redes de infraestrutura e serviços. Há risco de insegurança alimentar, de falta de água, de perda de produção agrícola e de meios de renda, particularmente em populações mais pobres”, destaca o documento.
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Para frear as mudanças climáticas e gerenciar os riscos, de acordo com o relatório do IPCC, as nações precisam promover ações combinadas de mitigação e adaptação. “Reduções substanciais nas emissões de gases de efeito estufa nas próximas décadas podem diminuir os riscos das mudanças climáticas e melhorar a possibilidade de adaptação efetiva às condições existentes”. Os cientistas reconheceram, entretanto, que essas reduções demandarão mudanças tecnológicas, econômicas, sociais e institucionais consideráveis.
Ao apresentar o relatório, nas palavras de Rajendra Pachauri, “a comunidade científica passou o bastão para os políticos”, para que eles tomem as decisões acertadas em tempo hábil. Um mês depois, entre os dias 2 e 12 de dezembro, em Lima, no Peru, delegações de 196 países tiveram dificuldades para encontrar um consenso sobre o desenho do que será o tão esperado acordo global do clima, definindo metas para a redução na emissão de gases de efeito estufa. O Chamamento de Lima para a Ação sobre o Clima, título dado ao documento, foi aprovado no apagar das luzes da 20ª Conferência do Clima, o que causou dúvidas sobre a capacidade dos líderes mundiais de negociar, na 21ª Conferência do Clima (COP 21), em Paris, em dezembro do ano que vem, um amplo e ambicioso acordo capaz de frear os efeitos das mudanças climáticas e garantir o futuro da humanidade.
O texto aprovado em Lima traz várias opções possíveis para a construção de um acordo climático em 2015, mas não apresenta conclusões sobre os pontos mais polêmicos: a definição de metas para o corte nas emissões de gases de efeito estufa e a consequente adaptação das nações para economias mais verdes, por meio da inovação nas indústrias e do investimento em energias renováveis.
O cientista sênior e consultor do Instituto Nacional de Pesquisa Ambiental da Dinamarca Hans Sanderson, em entrevista à Agência Brasil, disse que o relatório do IPCC não foi compreendido como deveria e não gerou a pressão esperada sobre a classe política. Consequentemente, observou ele, os resultados alcançados em Lima não foram suficientes. “O sistema adotado pelas Nações Unidas nas conferências do clima não é efetivo e deveria ser substituído por um outro formato mais elaborado, com maior poder de decisão”, disse. “Com certeza, o desenho de acordo aprovado na COP 20 não reflete a urgência que as mudanças climáticas demandam”, enfatizou.
Sobre as expectativas da comunidade científica para a COP 21, em Paris, ele disse que acha difícil um acordo. “O que veremos é mais uma versão enxugada, empurrando as decisões e as ações reais para o futuro”. Na opinião do cientista, a meta de evitar que a temperatura da terra aumente mais do que 2 °C não pode mais ser alcançada. “Imagine se as COPs fossem tão decisivas e efetivas em garantir recursos como foram as guerras mundiais no passado. Não estamos falando em ciência aeroespacial, a maioria das questões científicas centrais já foi discutida. Agora é uma questão de agir, mas há muitos conflitos de interesse entre países que impedem essa ação.”
Ele destacou, entretanto, alguns avanços na questão climática ocorridos em 2014. “Vimos os Estados Unidos e a China assinarem acordos para reduzir as emissões; vimos muitas cidades e países, como o Uruguai e a Alemanha, avançando rumo a 100% de energias renováveis em poucos anos; vimos o fortalecimento das discussões em torno de uma adaptação às mudanças climáticas. Tudo isso é avanço.”
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