Os segredos do Araguaia
A falta de informações
exatas sobre a guerrilha se deve à destruição de documentos
relacionados ao conflito.
Eumano Silva
Da Equipe do Correio
Braziliense
16/03/2004
Os
brasileiros ainda conhecem pouco a respeito de um dos fatos mais
importantes da história do país. Durante três anos, na primeira
metade da década de 1970, o Exército travou uma luta sangrenta
contra militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) no sudeste
do Pará. O episódio ficou conhecido como Guerrilha do Araguaia.
Os
combates terminaram no final de 1974. Os números finais do confronto
armado travado às margens do rio Araguaia são imprecisos, mas
estima-se que tombaram cerca de 60 guerrilheiros comunistas,
dezesseis militares e mais ou menos uma dezena de moradores da região
envolvidos no conflito.
As
Forças Armadas deslocaram milhares de homens para a Amazônia, algo
em torno d dez mil, movimentação de tropas só comparada à guerra
de Canudos, no final do século XIX, e à participação do Brasil na
Segunda Guerra Mundial, na década de 1940. A falta de informações
exatas se deve à decisão tomada pelos militares, de destruir todos
os vestígios e documentos relacionados ao confronto.
Os
únicos arquivos existentes foram preservados por militares
interessados em preservar a história dos combates, alguns divulgados
nos últimos anos por diferentes jornais e revistas. As últimas
revelações documentadas foram feitas no ano passado pelo Correio
numa série de reportagens sobre o conflito armado.
O PCdoB
organizou a guerrilha com o objetivo de montar um exército popular
para derrubar a ditadura militar, instalada em 1964, e implantar o
socialismo no Brasil. O partido se inspirava na revolução liderada,
na China, por Mao Tse Tung entre as décadas de 1920 e 1940.
A região
do Araguaia foi escolhida pelo PCdoB por apresentar características
favoráveis à implantação de uma guerrilha. A selva amazônica
representava um esconderijo natural, a exemplo do que acontecera no
Vietnã pouco tempo antes, e fornecia alimentos para os combatentes.
As carências da população sem qualquer assistência dos governos
nas áreas de saúde e educação e os conflitos de terra, entre
posseiros e grileiros, facilitavam a aceitação do discurso
comunista contra os militares no poder.
O
partido enviou para o Araguaia militantes perseguidos na cidade pelas
forças da repressão, em grande parte jovens com ativa participação
no movimento estudantil. O nome mais conhecido hoje é o atual
presidente do PT, José Genoino, ex-diretor da União Nacional dos
Estudantes, sobrevivente dos combates.
Luta
Os
guerrilheiros começaram a chegar à região em 1966, muitos
treinados na China. Compraram terras, plantaram roças e ficaram
amigos dos moradores. Sem dizer quem eram, prestavam serviços na
área social. Alguns eram médicos, ou estudantes de medicina, outros
professores.
Os
militares descobriram o embrião da guerrilha no início de 1972 e
decidiram usar de todos os meios para impedir o avanço do comunismo
no Brasil, na época presidido pelo general Emílio Garrastazu
Medici. Prenderam, torturaram, mataram e cortaram cabeças de
combatentes comunistas.
O
principal responsável pelas mortes de guerrilheiros, muitos
executados depois de presos, foi o então major Sebastião Rodrigues
de Moura, o Curió, atual prefeito da cidade de Curionópolis (PA),
por ele fundada depois dos conflitos na região do garimpo da Serra
Pelada.
A luta
armada deixou profundas marcas na população do Araguaia. Muitos
moradores eram amigos dos guerrilheiros ou tinham gratidão pelos
serviços prestados pelos militantes. Foram obrigados a colaborar com
a repressão ou acabaram presos e torturados. Alguns morreram em
dependências das Forças Armadas. Os comunistas também executaram
pelo menos dois camponeses que ajudaram os militares.
As
Forças Armadas quiseram acabar com os vestígios da guerrilha para
evitar que o movimento estimulasse iniciativas semelhantes. Também
agiram para esconder os métodos sangrentos usados no conflito. Ainda
hoje os familiares dos que buscam informações sobre as
circunstâncias das mortes e o local onde foram enterrados os
militantes tombados no Araguaia. Os militares sustentam a versão de
que não possuem documentos que ajudem a contar a história.
Nas duas
últimas semanas o governo enviou uma expedição à região para
tentar encontrar ossadas em locais apontados por soldados como covas
de combatentes mortos, mas nada foi encontrado. Por conta dos métodos
antigos e atuais das Forças Armadas, os brasileiros continuam sem
conhecer um dos fatos mais importantes ocorridos no século passado.
Eumano
Silva é repórter especial do Correio e está escrevendo um livro
sobre a Guerrilha do Araguaia em parceria com a estudante de
jornalismo Ta´´is Morais.
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