A disseminação do remédio entre estudantes e concurseiros levanta a polêmica sobre efeitos colaterais
Luís Tósca
O uso indiscriminado de Ritalina por vestibulandos, concurseiros e jovens aficionados por games tem preocupado pais, psicólogos e autoridades sanitárias. Recomendado nos casos de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), a disseminação da substância para aumentar o desempenho mental revela um problema cultural e social que vem se ampliando no país. A médica Carmen Baldisserotto, do núcleo de psiquiatria do Hospital Moinhos de Vento de Porto Alegre, destaca que o metilfenidato, princípio ativo da Ritalina, ajuda a lidar com o problema de falta de atenção em pessoas com diagnóstico de TDAH, pois aumenta a atividade dos neurônios na região do cérebro ligada à concentração e outras funções. “Trata-se de um estimulante do Sistema Nervoso Central que tem estrutura e efeito psicoativo semelhante às anfetaminas”, adverte. Ela esclarece que o produto tem sido usado por pessoas saudáveis, estudantes que buscam melhor desempenho intelectual e cognitivo em provas e concursos, popularizando-se assim a prática de “doping mental”. “Quando a pessoa saudável está sob efeito da medicação, por se tratar de uma droga estimulante do Sistema Nervoso Central, ela fica mais acordada e tem uma sensação subjetiva de um bem-estar maior e de parecer estar produzindo mais”, diz.
O psiquiatra Thiago Gatti Pianca destaca que o fármaco tem a propriedade de melhorar a atenção dos pacientes hiperativos, mas tem sido usado sem indicação médica para potencializar o desempenho nos estudos. “Há quem advogue a favor e contra o uso de Ritalina para aumentar o desempenho em atividades intelectuais, mas aqui entra um viés ético que nos faz refletir sobre as supostas vantagens de alguns candidatos sobre outros em relação aos efeitos do produto”. O especialista entende que as pessoas queiram manter-se acordadas por períodos mais longos, mas é preciso avaliar o custo disso para a saúde. “Qualquer medicação apresenta efeitos colaterais e Ritalina não foge a regra, afirma o psiquiatra.
Sobre a eventual dependência química, Pianca diz que a Ritalina ttem potencial para isso, principalmente quando seu uso é indiscriminado e é misturada a outros remédios e álcool, algo muito nocivo ao organismo.
A psicóloga clínica e perita forense Simone Lemes lamenta que o uso de Ritalina tenha se banalizado a ponto de as pessoas perderem a noção do uso clínico do remédio. “Os estudantes acreditam que terão melhor desempenho e a usam sem consultar um especialista. Cada um deve acreditar nas suas potencialidades, deixando de recorrer a comprimidos para resolver problemas. Existe um público que usa de maneira descontrolada, caindo assim no grupo da “Indústria da Ritalina”, lamenta.
Reações adversas
As manifestações mais frequentes do uso do medicamento metilfenidato, sem a devida indicação médica, são as seguintes insônia, agitação, aumento da ansiedade, irritabilidade, labilidade do humor, agressividade, diminuição do apetite, tremores, dor de cabeça, aumento dos batimentos cardíacos, pressão alta, boca seca, febre, tontura, vômitos, convulsões, perda da consciência, coma e morte. Conforme o médico Thiago Pianca, o uso continuado e abusivo da Ritalina pode salvar o paciente e uma dependência e ainda existe a possibilidade de produzir transtornos que necessitarão de tratamento psiquiátrico.
Estudantes revelam prós e contras
O estudantes Eduardo C., de 19 anos, que vai fazer vestibular para Direito pela segunda vez, justifica que para passar na Ufrgs precisa ter um desempenho excelente e por causa disso vai continuar usando a Ritalina como inibidor de sono até a última prova. “Fiz um cursinho o ano inteiro e não quero perder a chance de passar em janeiro. Depois do vestibular, eu para com os comprimidos”, garantiu. O estudante acredita que o remédio não faz mal nem vicia, mas só deve ser usado em caso de necessidade. “Tenho muitos colegas de cursos que fazem um coquetel de estimulantes para se manterem acordados e aproveitar mais o tempo de estudo, mas não quero arriscar. Esta hora a mais acordado hoje eu vou acabar pagando amanhã”, avalia.
A concurseira Priscila S., que há quatro anos busca uma vaga no serviço público, j´´a tentou de tudo para passar nos concursos e agora tem uma posição mais cautelosa sobre o uso de medicamentos. “Usei estimulantes, vitaminas e remédio para não ter sono e hoje eu sigo uma fórmula mais simples: estudo de 8 a 10 horas por dia, faço 4 refeições, vou à academia e tiro algumas horas para ouvir música e ver filmes”, afirma. Ela disse que descobriu uma rotina ideal d estudos combinada com momentos de lazer que funciona muito bem. “Hoje durmo melhor e tenho um desempenho mais alto do que no ano passado, quando me entupia de remédios. Acho até que me atrapalhei com tanta coisa na cabeça e perdi o foco do meu desejo por ter um emprego estável sem perceber”, lamenta. Priscila disse que decidiu largar até o cigarro para dar a virada que precisava. “quem é concurseiro sabe que quanto menos coisas na hora de se sabe concentrar, melhor”. Os nomes dos entrevistados foram trocados.
Qualquer medicação apresenta efeitos colaterais e a Ritalina não foge à regra”.
Thiago Gatti Pianca
Psiquiatra
Venda só com receita médica
O farmacêutico Luís Fernando Mello explica que o metilfenidato (Ritalina) é um psicofármaco controlado pela Anvisa e só é vendido com prescrição médica. “esta receita tem cor amarela e uma das vias deve ser retida na farmácia por até dois anos”, diz. Mello observa que as embalagens são numeradas e o controle do lote é feito tanto na receita como também na nota fiscal.
Produtos sem comprovação
Nootrópico é o nome de toda a substância química para melhorar a função mental, mas que não afete negativamente o cérebro. Alguns produtos prometem aumentar os níveis de acetilcolina, um dos principais neurotransmissores encefálicos. A psiquiatra Carmen Baldisserotto, do Hospital Moinhos de Vento, adverte que não há estudos científicos que comprovem a eficácia dessas substâncias.
Para manter o foco nos estudos
O concurseiro Heitor C., de 25 anos, disse que estuda nove horas por dia e está determinado a passar em um concurso público. “Já fiz seis provas diferentes nos últimos anos e estou cada vez mais perto da aprovação”, afirmou. O estudante, que está matriculado em um cursinho da capital, tem indicação médica para o uso de Ritalina há cinco anos. “Normalmente costumo tomar um comprimido,mas em período de provas reforço a dose para ficar mais concentrado nos estudos”, explica. Para ele, os maiores inimigos de quem faz concursos é a distração e a falta de foco nas matérias.
O fármaco tem a propriedade de melhorar a hiperativos, mas tem sido usado sem indicação médica para potencializar o desempenho nos estudos.
Psiquiatra avalia o princípio ativo
O psiquiatra Pianca reconhece as propriedades reais dos estimulantes, mas salienta que é preciso também que se leve em conta o “efeito placebo”, quando o paciente imagina que a medicação poderá produzir efeitos benéficos e isso realmente ocorre, mas por força da sugestão. No entanto, o médico não desqualifica as vantagens do estimulante que pode trazer melhora de memória e velocidade ao raciocínio, mas adverte que em alguns casos o efeito pode ser adverso, provocando perda de peso, dores de cabeça e sintomas psicóticos.
Fonte: Correio do Povo, página 15 de 6 de setembro de 2015.
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