Kátia
Abreu
Sábado,
17/05/14
Poucos temas têm se prestado
tanto à ação dos predadores da inteligência como a questão ambiental
Os sofistas, na Grécia Antiga, valiam-se de técnicas de argumentação em que o
que menos importava era a verdade. Importava vencer a discussão. Para tanto,
desenvolveram a erística, expediente baseado na habilidade verbal e na acuidade
de raciocínio, manejadas de modo a confundir o interlocutor.
É bem verdade que o truque só funcionava com gente menos preparada, que, ontem
como hoje, corresponde à maioria dos que ocupam os espaços públicos de debate.
Sócrates, Platão e Aristóteles não caíam nessa armadilha. Mas quantos desses
dispomos?
No curso do tempo, o termo sofisma passou a designar uma mentira com aparência
de verdade, que se serve de premissa falsa, tida por demonstrada (mesmo não
tendo sido). A partir dela, possibilita a construção de raciocínios lógicos,
que lhe dão aparência de realidade. Essa técnica foi resumida, em seu conteúdo
moral, na máxima de Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda de Hitler:
"Uma mentira, repetida mil vezes, vira verdade".
O preâmbulo vem a propósito de recente entrevista que concedi ao jornal inglês
"The Guardian". O entrevistador parte do princípio, jamais
demonstrado --e não colocado ao exame do entrevistado--, de que o produtor
rural é um antiambientalista voraz, inimigo dos índios e que "empurra no
Congresso seus lobbies".
Quem lê supõe que se trata de verdades inquestionáveis, já que a entrevistada
não se manifesta sobre elas. Não cogita do simples fato de que tais questões
não lhe foram postas, o que lhe permitiria desmontá-las sem maiores
dificuldades.
Se, ainda assim, ele mantivesse seus pontos de vista, tudo bem: a liberdade de
opinião é intocável, mas ao menos permitiria ao leitor confrontá-la com a do
entrevistado. Estariam então preservadas as liberdades dos três. Não o fazendo,
permitiu-se imputar à entrevistada e ao agronegócio, sem chances de defesa,
epítetos como "face do mal" ou "rainha do desmatamento".
Poucos temas têm se prestado tanto à ação desses predadores da inteligência
como o ambiente. Premissas falsas, como essas, circulam como dogmas,
propiciando a construção de discursos, com requintes técnicos, que desorientam
o público não especializado. Na ponta mais moderada, criticam a ação humana no
planeta; na mais radical, postulam sua exclusão.
Vejamos algumas dessas premissas falsas relativas ao Brasil, sustentadas pelo
entrevistador. A mais repetida: o Código Florestal "enfraqueceu" a
legislação ambiental". É falso. O código, votado pelo Congresso
--inclusive com o apoio da maioria dos que integram a bancada ambiental--, após
cinco anos de discussão, é a mais rigorosa legislação do setor em todo o mundo.
Não apenas manteve os percentuais de conservação de vegetação nativa como
estabeleceu a integral recuperação de todas as áreas desmatadas ilegalmente.
Criou o CAR (Cadastramento Ambiental Rural), que, ao relacionar os mais de 5,2
milhões de imóveis rurais brasileiros, permite monitorar a proteção da
vegetação nativa em cada bioma. Fui uma das vozes mais empenhadas na inserção
desse dispositivo no código.
No entanto, somos acusados do contrário: de ter defendido o afrouxamento dos
controles. Basta uma simples pesquisa nos arqui- vos do Congresso, num
computador doméstico, para que se constate o que sempre defendi: a necessi-
dade de uma legislação clara e permanente, que inexistia até a aprovação do
código.
Ah, sim, o desmatamento. Segundo a sofística em curso, estaria em aumento
contínuo, sobretudo depois do código. Mas, segundo dados do Inpe (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais), o desmatamento está em queda há dez anos. A
área desmatada em 2013 foi 79% menor do que o registrado em 2004.
É com esse tipo de argumentação que lidamos. E quem perde é o público, induzido
a condenar o setor mais dinâmico e moderno da economia brasileira, que lhe
garante expressivos superavit comerciais há décadas, gerando emprego e renda.
* Kátia Abreu, 52, senadora (PMDB-TO) e presidente
da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), escreve
aos sábados nesta coluna.