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domingo, 9 de novembro de 2008

RESSURREIÇÃO DO VAMPIRO (Publicado no Estadão em 9 Nov 08)

General da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva (*)
O Exército é uma Instituição importante para o país, daí ser permanente como diz a Carta Magna. A sociedade lhe confere elevado grau de confiança pelo que fez, como fez e segue fazendo em nossa história e por ver a Instituição como o espelho de princípios dignos de cultuar. Credibilidade gera inveja, em alguns segmentos, e um misto de revanchismo e receio nos remanescentes da esquerda radical, que sonham ressuscitar no Brasil o “vampiro” sepultado nos escombros do Muro de Berlim.
A sociedade não sabe como é construída a identidade militar, que tanto admira, e como são incorporados valores, ideais e atributos ao caráter do cidadão-soldado. Desconhece, também, o significado do seu compromisso exclusivo e perene com a Pátria, o Estado, a Nação e o Exército que, para honrar, promete sacrificar a própria vida. Não percebe a admiração e a dívida moral do militar por camaradas que já se arriscaram para honrar tal compromisso. Não avalia a importância de uma liderança militar com autoridade para garantir que os meios de violência destinados à Instituição, pela sociedade, sejam empregados apenas na defesa desta última e para manter o Exército afastado de disputas ideológicas e partidárias.
Tal desconhecimento não se justifica nas lideranças civis dos Poderes da República, pois têm responsabilidades no preparo, emprego e futuro do Exército. Devem defendê-lo de iniciativas que visem a enfraquecer a coesão, disciplina e autoridade moral da Instituição, um dos pilares constitucionais do Estado democrático. Exatamente por ser uma força armada, o Exército deve ser poupado de atuar publicamente em defesa própria. Há grupos que reúnem revanchistas e remanescentes da esquerda revolucionária, que insistem na velha, mas perigosa, estratégia de tomada do poder pelo enfraquecimento das instituições e o Exército é uma destas.
Por que o Ministro da Justiça, seu Secretário de Direitos Humanos, setores do Ministério Público e da Justiça, ao arrepio da Lei de Anistia e de seu espírito, que é o de pacificação, querem colocar no banco dos réus militares do Exército que combateram a luta armada? Por que, numa interpretação parcial, não enquadram ex-militantes de grupos armados, que se envolveram e praticaram atos de terrorismo, seqüestros e assassinatos e foram perdoados na Lei de Anistia, sendo muitos regiamente indenizados?
Em minha opinião, os propósitos são vingança e o desgaste da Instituição, com fins políticos e ideológicos.  
Por que não fazem o dever de casa, para o Brasil não ser denunciado constantemente, pela ONU, pelo desrespeito aos direitos humanos por agentes do Estado? Este problema ainda ocorre hoje, agora, e não há 30 anos passados.
Nos cerca de 20 anos de plenas liberdades democráticas, houve muito mais vítimas da omissão ou da violência do Estado, legítima ou não, e de criminosos do que nas duas décadas do regime militar.  Entre elas, estão cidadãos honestos e suas famílias, que são massacrados por quadrilhas de bandidos ante a inépcia do Estado em prestar-lhes segurança. Estão as vítimas em episódios como os do Carandiru, de Eldorado de Carajás e das zonas periféricas das grandes cidades.  Estão seres humanos em nossos presídios e cadeias onde são tratados como escória. Diferente de muitos que se envolveram na luta armada, essas vítimas não são das classes favorecidas, não têm “sobrenome”, não defendem a ideologia marxista e, assim, não contam com a solidariedade da esquerda radical – revanchista, incoerente e hipócrita – encastelada nos Poderes da República, nem são indenizadas pelas violações que vêm sofrendo. Por outro lado, a fonte dos recursos do crime organizado – os senhores de “colarinho branco” – permanece intacta, pois galgou os mais altos escalões da sociedade e tem assegurada a impunidade. Se no regime militar tínhamos os “anos de chumbo”, como denominar as duas últimas décadas?
Ante a injustiça prestes a ser consumada, a mente do militar vive um dilema onde se chocam valores como disciplina, lealdade, camaradagem e senso de justiça. Aproxima-se uma situação extrema que pode ter reflexos na auto-estima, coesão, disciplina e, o que é preocupante, na relação da liderança militar com seu público interno.
No combate à luta armada, enquanto cidadãos civis e militares e suas famílias levavam uma vida normal, muitos companheiros de farda, no cumprimento da missão constitucional, arriscavam a sua e a de seus familiares. Alguns passavam semanas longe de seus lares numa guerra deflagrada pela esquerda radical. Eles contribuíram para impedir, no nascedouro, o mesmo movimento revolucionário que ensangüentou e enlutou sociedades de vários países da América Latina, nos anos 1980, e ainda entristece hoje a Colômbia. Os militares têm fortes laços de camaradagem, lealdade, reconhecimento e gratidão, para com aqueles companheiros, e o compromisso moral de apoiá-los com firmeza contra a injustiça constatada na parcialidade da revisão da abrangência da Lei de Anistia.
A liderança civil nacional tenha visão e seja proativa para bloquear, a tempo, a tentativa de colocar o Exército e sua liderança em uma encruzilhada, pois seja qual for a posição a ser tomada pela Instituição – defender publicamente a abrangência da Lei de Anistia ou abster-se de fazê-lo – as conseqüências são imprevisíveis, mas sempre com prejuízo da coesão e da disciplina. Por outro lado, não considero, em qualquer hipótese, a quebra de normas constitucionais pela Instituição, mas radicalização e revanchismo geram reação e instabilidade.
Creio que o Exército esteja buscando reverter esta situação através da cadeia de comando, de forma não ostensiva, pelo menos por enquanto, pois como diz um antigo dito militar: “a camaradagem não se rompe nem com a morte”, particularmente se for para deter uma injustiça.
 (*) Foi comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (2004-2006) e Observador Militar da ONU em El Salvador (1992-1993).

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