domingo, 18 de julho de 2004

Uma brava nação, por Sérgio da Costa Franco*

Data Nacional do Uruguai – 18/07/1830

Ni enemigos le humillan la frente,
Ni opresores le imponen el pié.
(Versos do hino nacional uruguaio)

Dezoito de julho, data do juramento da sua Constituição de 1830 é a data nacional do Uruguai. E o fato de termos nascido na fronteira de Jaguarão, onde brasileiros e uruguaios convivem fraternalmente, e de termos trabalhado na fronteira de Quaraí, junto à simpática e acolhedora cidade de Artigas, arrolou-nos definitivamente entre os amigos e admiradores da República Oriental.
O Uruguai, com escassos 180 mil quilômetros quadrados, o equivalente a dois terços do Rio Grande do Sul, parece um desses milagres pouco explicáveis da geopolítica. O fato de haver resistido às pretensões expansionistas de dois vizinhos poderosos – Argentina e Brasil – exige algo mais que meras explicações casuísticas. A posse de um porto acessível e de águas profundas, melhor que o seu concorrente da outra margem do Prata, desenha-se como a matriz principal da vocação autonomista dos orientais, cujo destino mais lógico teria sido a vinculação com as Províncias Unidas do Rio da Prata. Por outro lado, se não fosse Montevidéu um seguro porto para a navegação oceânica, enquanto o nosso Rio Grande era um cemitério de navios e de vidas, é bem possível que a transitória incorporação da Cisplatina ao Brasil pudesse ter perdurado. Mas a História não se faz de hipóteses e de discursos condicionais. Os uruguaios hão de concordar em que sua nação tudo deve ao seu porto, onde, aliás, se concentra quase a metade da população do país. Também é pacífico que a diplomacia britânica, interessada na existência de um Estado-tampão entre Argentina e Brasil, foi a madrinha da independência uruguaia. Porém, o fato de o Uruguai ter atravessado 176 anos de vida independente sem submeter-se à gula e às ambições de seus vizinhos revela uma nação de personalidade, de identidade própria e de aspirações autônomas. Mesmo que, ao nascer, tenha sido acalentada pela poderosa Inglaterra – um criador que, ao longo do temo, perdeu o controle de suas criaturas...
Entretanto, o que mais cabe admirar, na história do Uruguai, é a sua devoção à educação popular, mormente a partir da grande reforma escolar de 1876, empreendida por José Pedro Varela. Adotando os princípios da gratuidade e da laicidade da escola pública, o jovem José Pedro Varela, que faleceu aos 34 anos de idade, iniciou em seu país uma verdadeira revolução, responsável por maiúscula transformação na vida cultural. Em sua exposição de motivos, Varela registrava que, nos últimos 45 anos, houvera 19 revoluções no país, e que, desde a independência, nem 10 livros tinham sido editados. Revoluções e maus governos, segundo ele, seriam corolários da ignorância popular. Apesar da reação do clero, do bispo de Montevidéu, dos políticos que perdiam a faculdade de nomear e desnomear professores, a reforma foi implantada, com pulso firme pelo presidente Latorre, um autoritário de visão reformista e modernizante. E o fato é que, por longos anos, foi modelar a instrução pública no Uruguai, causando inveja aos brasileiros da fronteira, cujas aulas, por vezes, não bastavam para atender à população em idade escolar, obrigando-nos à suma vergonha de matricular crianças brasileiras na escola de “allá”.
Em verdade, nunca tivemos no Rio Grande do Sul um programa eficiente de educação, como o que se implantou na República Oriental. Nem conseguimos atingir os índices de escolaridade e alfabetização alcançados na pátria de Artigas. Só esse fato justifica homenagem muito calorosa ao Uruguai em sua data nacional.


*Historiador


Fonte: Zero Hora, página 17 de 18 de julho de 2004.

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